A sociedade contemporânea, marcada por um ritmo acelerado e mudanças profundas nas percepções de objetivos e propósitos, tem presenciado um aumento de problemas mentais no ambiente corporativo, como ansiedade, depressão e burnout. Esse cenário impõe desafios às empresas, exigindo uma atenção redobrada aos fatores que influenciam a saúde mental dos colaboradores.
“Nos últimos anos, a revolução tecnológica e a crescente digitalização foram intensificadas pela pandemia, além disso se tem o aumento da pressão e das metas dentro das empresas, com isso as frustrações são mais evidentes”, explica Vicente Beraldi Freitas, médico especializado em psiquiatria da Moema Medicina do Trabalho.
Ele complementa: “Vivemos em uma realidade onde as pessoas enfrentam dificuldades, como conviver com padrões irreais nas redes sociais e altos anseios, tornando-as mais sensíveis a gatilhos para problemas psiquiátricos.”
A mudança no perfil dos problemas de saúde dos trabalhadores é notável. Tatiana Gonçalves, sócia da Moema Medicina do Trabalho, observa que “há 20 anos, os afastamentos eram majoritariamente por acidentes de trabalho e problemas ortopédicos. Hoje, vemos um crescimento exponencial de pacientes com problemas psiquiátricos.”
Principais doenças
Os transtornos de ansiedade, a depressão e a síndrome de burnout são doenças psiquiátricas marcadas por uma preocupação constante e excessiva com a possibilidade de eventos negativos.
Contudo, existem diferenças entre elas:
– Burnout: condição caracterizada por exaustão extrema e sentimentos de frustração relacionados ao trabalho. Beraldi enfatiza a necessidade de diagnósticos precisos e acompanhamento por profissionais especializados. A atualização do Ministério da Saúde, que incluiu o burnout na lista de doenças relacionadas ao trabalho, reforça a importância do reconhecimento dos fatores psicossociais no ambiente corporativo.
– Crise de ansiedade: caracterizada por uma preocupação constante e excessiva, pode levar a sintomas físicos como falta de ar, sudorese e arritmia. “A ansiedade é uma patologia desencadeada por fatores internos ou externos, exacerbada pela pandemia e a crescente digitalização,” explica Vicente Beraldi.
– Depressão: doença crônica e recorrente que causa tristeza profunda e desesperança, afetando a capacidade funcional do indivíduo. É essencial procurar ajuda médica e diferenciar a tristeza patológica daquela transitória, provocada por eventos difíceis da vida.
Causas
Dentre as causas desses males estão vários fatores como estresse no trabalho e conflitos relacionados a competências, autonomia, relações com clientes, realização pessoal e falta de apoio social.
Além de fatores organizacionais, causados por sobrecarga de trabalho, desalinhamento entre objetivos da empresa e valores pessoais, e isolamento social. Também existem fatores pessoais, com relações familiares e amizades.
Rose Damélio, gerente de Recursos Humanos da Confirp Contabilidade, relata: “As áreas de recursos humanos devem estar cada vez mais próximas dos colaboradores, acompanhando desde a contratação e iniciando ações aprofundadas quando necessário.”
Como enfrentar as doenças mentais
Vicente Beraldi Freitas sugere medidas para combater esses problemas:
- Grupos de vivência: Empresas podem criar grupos para lidar com situações e pessoas.
- Setor de acompanhamento: Desenvolvimento de setores para preparar e acompanhar as equipes.
- Ambientes colaborativos: Criação de ambientes justos e colaborativos para manter a saúde mental e a qualidade de vida dos colaboradores.
Melhorando o ambiente nas empresas
André Costa, diretor Administrativo e de Gente & Gestão da Febrafar e da Farmarcas, corrobora com essas ideias. Mas ele acrescenta que as iniciativas devem ir muito além de ações pontuais, devem ser repensada toda a estrutura da empresa. Ele destaca alguns pontos:
- Propósito e valores: É fundamental que as equipes compartilhem o propósito e os valores da empresa. Ao selecionar novos membros, buscar pessoas alinhadas com esses princípios para criar um ambiente de trabalho coeso e estimulante.
- Estrutura e processos maduros: Uma estrutura organizacional madura e processos bem definidos são essenciais para o funcionamento eficiente das equipes. Isso inclui desde o espaço adequado para trabalho até formas de recrutamento e seleção mais assertivas.
- Benefícios e políticas salariais: Oferecer benefícios atrativos além do salário é crucial. Exemplos são benefícios como licença-maternidade estendida, vale-creche e suporte para filhos com necessidades especiais.
- Liderança para todos: A liderança deve ser desenvolvida em todos os níveis da organização. Assim se devem identificar talentos e fornecer formação em gestão, criando políticas de educação corporativa com bolsas de estudo e treinamentos.
- Inovação: Um ambiente propício à inovação deve ser prioridade, com diretrizes estratégicas claras e comunicação aberta entre os colaboradores. Um clima organizacional saudável favorece o surgimento de novas ideias.
- Endomarketing: Investir em ações de comunicação interna é fundamental, com reconhecimento e promoção do pertencimento à empresa, criando um ambiente de trabalho agradável e motivador.
- Desenvolvimento contínuo: É preciso promover nas empresas o crescimento profissional dos colaboradores por meio de planos de carreira, educação corporativa e treinamentos, desenvolvendo habilidades técnicas e comportamentais.
De acordo com André Costa, todos esses fatores são interligados e contribuem para a construção de uma equipe equilibrada e de alto desempenho. “Ao garantir um ambiente de trabalho saudável, onde os colaboradores se sintam valorizados e motivados, colhemos resultados positivos. O investimento em cuidado com as pessoas é tangível e imensurável,” ressalta Costa.
Empresas que investem na saúde mental de seus colaboradores criam um ciclo positivo de valorização e produtividade. A coerência entre discurso e prática dos valores corporativos, aliada a ações estruturadas e contínuas, é fundamental para um ambiente de trabalho saudável.
Assim, antes que esses males acometam os colaboradores, as empresas têm um papel crucial na revisão das condições de trabalho e na busca por qualidade de vida, garantindo que isso não impacte negativamente os resultados dos negócios.
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