Pesquisadores brasileiros desenvolveram a primeira caneta de adrenalina autoinjetável do País, um tratamento essencial para reações alérgicas graves, como o choque anafilático (anafilaxia). Atualmente, como não há um produto nacional à venda, é preciso importar as canetas a um alto custo ou substitui-las por alternativas menos eficazes. Sem os gastos de importação, os desenvolvedores esperam que a caneta nacional seja até 80% mais barata do que as trazidas de fora.
O protótipo foi fabricado por um grupo liderado pelo médico Renato Rozental, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com apoio de uma empresa paulista. A ferramenta está em trâmite inicial para ser registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ainda precisará passar pela avaliação do órgão antes de chegar ao mercado. Segundo Rozental, a previsão é de que todo o processo leve cerca de 11 meses.
A caneta nacional segue o padrão dos produtos já comercializados, com uma ampola de adrenalina em dose ajustada para o peso do paciente. A agulha também varia de acordo com o público, existindo uma versão para crianças e outra para adultos.
Em caso de reação alérgica, basta aplicar o conteúdo na lateral da coxa — não é necessário ter treinamento médico ou qualquer capacitação específica. Uma vez injetada, a adrenalina reverte rapidamente a reação, dando tempo para a chegada de ajuda médica e para o atendimento especializado.
Rozental estima que o produto final custará ente R$ 350 e R$ 400. Já as canetas importadas — encontradas em algumas farmácias ou adquiridas diretamente do exterior — custam em média R$ 2 mil.
Anos de desinteresse
A tecnologia da caneta não é nova — o primeiro autoinjetor de adrenalina foi lançado no mercado internacional em meados dos anos 80. No entanto, como explica Fábio Chigres Kuschnir, presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), a produção do item está concentrada em menos de 35 países.
Segundo Kuschnir, um dos motivos para essa concentração é o desinteresse das empresas fabricantes de medicamentos. “Até hoje, nenhum laboratório teve interesse nisso”, diz.
Ele e Rozental comentam que a maior visibilidade do tema e o aumento de casos de anafilaxia no mundo foram fatores que estimularam e permitiram a fabricação do protótipo nacional. Junto a isso, também têm sido criadas novas políticas públicas voltadas à questão. “De um ano para cá, tivemos um impulso muito grande”, afirma o presidente da Asbai.
Um exemplo é o Projeto de Lei 85/2024, em tramitação na Câmara dos Deputados, que estabelece o fornecimento gratuito da caneta de adrenalina autoinjetável pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto já foi aprovado pela Comissão de Saúde e aguarda os pareceres das comissões de Finanças e Tributação, de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para os médicos, a disponibilidade de uma caneta brasileira facilitaria essa distribuição na rede pública.
Aumento de casos
O choque anafilático é uma reação alérgica grave e súbita. Ele causa dificuldade respiratória, taquicardia e inchaço na garganta, e pode ser fatal.
O quadro acontece quando o corpo reage exageradamente a uma substância que considera uma ameaça e libera uma alta carga de histamina — que a adrenalina ajuda a controlar.
Segundo a Asbai, os casos de anafilaxia têm aumentado em crianças entre 0 a 4 anos e se assemelham ao nível observado nos Estados Unidos. Lá, os casos passaram de 5,7 para 11,7 a cada 10 mil atendimentos, considerando os anos de 2009 e 2013.
Além disso, conforme estudo publicado em 2022 na revista Clinical & Experimental Allergy, houve crescimento anual de 2,4% nas internações e de 3,8% nas mortes por anafilaxia entre 2011 e 2019 no Brasil.
As principais causas de choque anafilático são picadas de animais como abelhas e vespas, reação a medicamentos ou a alimentos. Mas há outros fatores, como exposição a novos alimentos e uma dieta cada vez mais industrializada.
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